A segunda história da série Histórias de Torcedor, diferente da primeira e de muitas que ainda certamente virão, não tem o autor do blog como seu principal personagem.
Na verdade, não sei se me coloco como um coadjuvante nessa história, ou apenas como uma testemunha dela.
O fato é que a história que irei relatar hoje trata de uma questão muito discutível quando o assunto é a escolha pelo seu time de preferência. Afinal, é possível trocar de time? É possível, depois de vestir o manto sagrado de uma cor passar a vestir a de um de seus maiores rivais?
Essa história prova que sim, é possível. Não só possível, como ela aconteceu.
O título não comemorado:
Lembro-me bem da noite de 16 de junho de 1999, mais precisamente da tensão vivida naquele fim de noite, começo de madrugada.
Estávamos no quarto do apartamento localizado no bairro da Aclimação, praticamente ajoelhados na frente da televisão, torcendo como se fosse nosso time que estava em campo.
Mas não era.
Era o principal rival de três dos quatro fanáticos torcedores que estavam ali. Principal rival que decidia pela terceira vez o maior título do continente, a tão sonhada Taça Libertadores da América.
Em campo, Palmeiras e Deportivo Cali disputavam para ver quem conquistava o título pela primeira vez.
Fora dele, mais precisamente ajoelhados na frente daquela televisão, no quarto do apartamento na Aclimação, três Corinthianos e um São Paulino secavam o time Alviverde, desejosos de ver o Parque Antárctica ficar silencioso após aquela disputa de pênaltis.
Mas não foi possível.
Ao chutar aquela última penalidade para fora, bem rente à trave direita do goleiro Marcos, o argentino Martín Zapata fez explodir de alegria a imensa torcida Alviverde, e fez calar a pequena secação (se é que essa palavra existe) mista de Alvinegros e Tricolores daquele quarto na Aclimação.
Lembro-me de ser abraçado pelo meu primo Luiz Filipe, o único São Paulino do quarto, que na maturidade dos seus quase 11 anos de vida me disse “Faz parte, Má”.
Luiz Filipe, ou Fi para esse “tio véio”, sempre foi um garoto acima da média. Muito inteligente, sensível, um pouco nojentinho naquela época, o Fi já era, desde a sua infância, alguém muito querido e admirado por mim.
O mais curioso é que, pouco tempo depois (não sei bem precisar quando) o Fi percebeu que torcer para o São Paulo era algo que ele fazia mais para agradar o seu pai, São Paulino de coração, do que para agradar a si mesmo.
Também percebeu que mudar de time para virar mais um Corinthiano na família (sua mãe e seus dois irmãos já o eram) seria lugar comum demais para ele, que sempre se destacou onde quer que estivesse por sua inteligência, esperteza e sagacidade.
Foi quando ele decidiu, para contrariar a todos, se tornar Palmeirense.
E enquanto a maioria de nós achava que era apenas uma forma de se rebelar, de chamar a atenção, sua mãe sempre falava: “Apesar da decepção, tenho certeza que ele não fez isso para chamar a atenção dos outros. Fez porque quis. Porque se sentiu melhor assim”.
E que baita torcedor o Palmeiras ganhou, hein?!?
Fi passou a acompanhar o Palmeiras, a sofrer pelo Palmeiras, a ser um Palmeirense nato, como se fosse descendente de italianos nascido no Bexiga.
É verdade que até hoje, desde que se converteu à Sociedade Esportiva Palmeiras, o meu primo mais sofreu do que sorriu. Fato esse que prova que não é apenas títulos e boas campanhas que nos faz torcer pelo time que for.
Se ele sofreu na conquista do título acima descrito, exatamente por torcer contra o Palmeiras, sofreu mais ainda quando o Palmeiras caiu para a Série B do Brasileirão já em 2002, pouco tempo depois da sua conversão. Sofreu também uma série de anos sem conquistas, até vibrar com o Paulistão de 2008, seu primeiro título como Palmeirense (quase dez anos após ele ter secado o Alviverde).
Ele também vibrou com a conquista da Copa do Brasil de 2012, mas continuou seu calvário alguns meses depois, quando viu, para alegria discreta de seus irmãos e mãe, o seu Palmeiras ser rebaixado mais uma vez.
Hoje morador de Campinas e bem distante dos seus dois irmãos (um em Bauru e outro em São Paulo), sempre que tinha um Corinthians x Palmeiras quando todos moravam sob o mesmo teto era a mesma rotina: os Corinthianos no andar de baixo e ele no andar de cima (ou vice-versa), sempre com a recomendação da mãe: “Não provoquem o Fi, ele fica nervoso pelo Palmeiras”.
É, o cara passou a ser mesmo fanático pelo Alviverde.
Não sei bem como isso deve funcionar na cabeça dele, mas acho que, mesmo tendo torcido contra o Palmeiras naquela final da Libertadores, ele se considera sim campeão do torneio continental. Afinal, quem já sofreu tanto por um time, como eu sei que ele sofre a cada jogo do Alviverde, merece ser perdoado por ter sido tão “mal” influenciado por esse fanático Corinthiano que vos escreve.
E eu espero que ele me perdoe, um dia, por tê-lo influenciado exatamente no momento que não poderia.
Embora, conhecendo o Fi como eu conheço, certamente ele nunca colocará essa “culpa” em mim!
Ps.: ninguém mandou me fazer aquela surpresa no carnaval!