Alforria

Posted: 10/06/2014 in Uncategorized
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Carta de Alforria - Lei Áurea de 1888.

Carta de Alforria – Lei Áurea de 1888.

Eu gosto de futebol.

E eu gosto mais ainda de Copa do Mundo!

Sou daqueles que é capaz de dizer, em poucos segundos, todos os campeões e vices das 19 edições de Copas do Mundo que tivemos até hoje.

Bem, talvez nem todos os vices… mas os campeões eu te digo sem sombra de dúvidas.

Apesar de ser um fã incondicional desse esporte, sou também bastante consciente de tudo o que se passa ao meu redor.

Sou consciente do mundo em que vivo.

O futebol, ao contrário do que diz o dito popular, não é o meu ópio.

Longe disso.

Sou consciente, por exemplo, que nosso país não tem o mínimo de investimento que deveria ter em educação e saúde, para ficar apenas com o básico.

E mais consciente ainda de que o pouco que é investido, se é que podemos chamar de pouco, é muito mal gerido.

Sou consciente, também, de todos os problemas estruturais da política e da democracia que o país viveu (e vive) nos seus últimos 30 anos.

Sim, tanto nossa política quanto nossa democracia são falhas e estão anos-luz afrente do futebol, ou da Copa do Mundo, no rol de importância da nossa pauta de discussões.

Sei também, até porque moro em uma delas, que nossas cidades tem tantos problemas, dos mais básicos aos mais complexos, que em um único post eu não seria capaz de enumerar nem os do meu bairro, o que dirá da cidade onde vivo.

E vejo os mesmos problemas nas diversas cidades que tive o prazer de visitar nos dois últimos anos da minha vida profissional.

O fato de eu gostar de futebol e, principalmente, de Copa do Mundo, não me torna um alienado.

Ao menos não a mim.

E, se torna alienada alguma parcela da nossa população, não é por culpa do futebol em si, mas sim da educação (formal) que nosso país insiste em nos negar.

A Copa do Mundo no Brasil é um sonho que eu carrego desde adolescente, do qual não consegui participar (sim, eu tentei comprar ingressos) e que vou ver como vi todas as 7 edições anteriores.

Com a grande diferença de que agora o meu time joga em casa, na minha casa, no meu país.

Apesar de não ter conseguido ingresso, sou sim aquele torcedor que coleciona figurinhas (mesmo que para jogar fora o álbum depois), que compra cornetas e enfeites para minha casa e meu carro (a famosa bandeirinha já está lá, na janela) e compra camisa para acompanhar o jogo da Seleção.

O fato de eu gostar de futebol, ou de torcer para a Seleção do meu país, não impede que eu saiba, até por antecipação, que os estádios construídos para o evento levaram muita verba pública, embora muitos neguem, e que essas obras foram sim superfaturadas, como também é uma praxe em todas (ou na maioria delas) as obras públicas do nosso país.

Se você esperava que fosse diferente, meu caro, sinto em decepcioná-lo.

Embora eu saiba, também, que o valor gasto com a Copa do Mundo é, até certo ponto, irrelevante se comparado com o PIB brasileiro, ou até com o Orçamento da União, Estados e Municípios no período em que esse montante fora investido.

O valor gasto, inclusive no financiamento de estádios, em toda essa história de Copa (desde que fomos escolhidos, em 2007), não chega a ¼ do orçamento anual da União para as áreas da educação e da saúde, por exemplo.

O problema não é falta de dinheiro, mas sim na falta de competência na gestão.

Certamente que isso, de maneira alguma, justifica termos estádios públicos “padrão FIFA” (como nos acostumamos a dizer) em cidades que não possuem hospitais ou escolas públicas com um padrão superior aos existentes hoje.

Como também sei que muita politicagem rolou para definir as cidades-sede da Copa, onde 12 é um número absurdo, onde a Seleção Brasileira irá jogar, enfim, muita politicagem para tudo.

E também sei os políticos e, principalmente, os partidos que estiveram no meio disso tudo.

E, com relação aos partidos, podemos dizer que todos estão envolvidos.

Se o Brasil ganhar, e tomara que ganhe, ou se não ganhar pouca ou nada coisa vai mudar naquilo que vi, que li e, principalmente, no que sei.

E dificilmente minha opinião também vá mudar de acordo com o resultado da Copa, dentro do campo.

Como dificilmente, também, o meu voto no final do ano será decidido pelo resultado em campo da Seleção.

Quanto menos influenciado.

O que demonstra que o fato de ser um fã do esporte não me torna menos cidadão do que quem é fã de Fórmula 1, ou do que de quem é fã de séries americanas, ou de um nerd qualquer (que agora se chamam de Geeks).

Muito menos do que aqueles que são altamente envolvidos em política, em religião ou em filosofia.

Somos todos cidadãos com os mesmos direitos e, mais importante do que isso, os mesmos deveres.

Já votei em PT, PSDB, PMDB, DEM, em nulo (tem sido minha opção ultimamente) e sou totalmente à favor de protestos por melhores condições para todos, seja esse protesto uma greve, um pedido por moradia ou um protesto contra o aumento de R$ 0,20 no aumento da passagem de ônibus.

Só não aguento mais ser tachado de alienado apenas por gostar de um esporte.

Então, por favor, deixe-me acompanhar minha Copa em paz.

Há quatro anos eu estava acompanhando a Copa que era realizada na África do Sul e ninguém ficava, por isso, discutindo a política nacional e os nossos problemas.

Embora todos devêssemos fazer isso, não apenas em época de Copa do Mundo (que dificilmente voltará a ocorrer aqui).

Nem a Copa, nem a FIFA e quanto menos o futebol são culpados pelos problemas do nosso país.

E, embora a realização da Copa tenha sido um choque de realidade nos cidadãos, trazendo à tona discussões que antes não tínhamos, que não nos importávamos, acredito que nos próximos dias não seja o período ideal para querer discutir sobre isso.

Seria como se eu convidasse você para ir jantar na minha casa e, durante a janta, ficasse discutindo com minha esposa problemas que são apenas nossos.

Então, venho aqui pedir minha carta de alforria, igual à que a Princesa Isabel assinou no final do Século XIX, sem que isso signifique que eu vá fechar meus olhos para os problemas do nosso país.

A carta de alforria é do seu julgamento, daquilo que você pensa e acha que sabe sobre quem apenas quer acompanhar um evento.

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